“They’ll Love Me When I’m Dead”: O Último Filme Inacabado de Orson Welles
O documentário They’ll Love Me When I’m Dead, dirigido por Morgan Neville, é uma análise profunda e fascinante da criação do último filme inacabado de Orson Welles, The Other Side of the Wind. Lançado em 2018, o filme mergulha nos bastidores tumultuados do projeto que dominou os últimos anos da vida do icônico cineasta, revelando tanto a complexidade da obra quanto os desafios enfrentados por Welles para realizá-la. Com uma narrativa baseada nas memórias de atores, membros da equipe e outros envolvidos, o documentário não apenas retrata a difícil jornada do filme, mas também presta uma homenagem ao legado de Welles e à sua busca incansável por inovação no cinema.

Orson Welles e a Obsessão por The Other Side of the Wind
Orson Welles, reconhecido mundialmente como um dos maiores cineastas da história do cinema, sempre foi um criador audacioso. Seu nome está associado a obras revolucionárias como Cidadão Kane (1941), que redefiniu os padrões da narrativa cinematográfica e da técnica de filmagem. Porém, apesar de seu talento inegável, Welles enfrentou dificuldades financeiras ao longo de sua carreira, o que o levou a depender de financiamentos instáveis e, por vezes, até de colaborações complicadas para dar vida a seus projetos mais ambiciosos.
Em 1970, Welles iniciou a produção de The Other Side of the Wind, um projeto altamente experimental que, segundo muitos, refletia suas frustrações pessoais e sua visão única sobre o cinema e o futuro da indústria. O filme deveria ser uma crítica ao próprio mundo do cinema, abordando o universo da criação cinematográfica de maneira satírica e autodepreciativa. A história seguia a trajetória de um cineasta veterano, interpretado por John Huston, em um momento de crise, tentando completar seu último filme enquanto lida com os desafios impostos pela juventude e pela indústria cinematográfica em mudança.
O Processo de Produção e os Desafios
A produção de The Other Side of the Wind foi marcada por contratempos financeiros, mudanças constantes de equipe e a própria natureza experimental da obra. Welles, que estava completamente envolvido no projeto, era um cineasta obcecado pelos detalhes, e isso muitas vezes resultava em um ritmo de trabalho desgastante e instável. Durante as filmagens, o orçamento da produção começou a se esgotar, e Welles precisou recorrer a uma série de fontes externas para garantir a continuidade do projeto.
Ao longo dos anos, o filme foi gravado em partes, com a filmagem parando e recomeçando diversas vezes. Isso causou uma enorme frustração para o diretor, que, apesar de seus esforços, não conseguiu completar a obra. A complexidade da produção foi exacerbada pela necessidade de rodar várias cenas em estilo de falso documentário, o que exigia uma abordagem de filmagem única e inovadora. A narração do filme foi gravada em fragmentos, e Welles mesmo fez várias mudanças no script enquanto filmava, uma característica recorrente em seu estilo de direção, que sempre buscava a espontaneidade e a imprevisibilidade no cinema.
O processo de filmagem foi ainda mais tumultuado pelo fato de que Welles não tinha controle total sobre o financiamento e a produção do filme. Em muitos momentos, ele foi forçado a fazer concessões e a aceitar a ajuda de outros cineastas e produtores, que muitas vezes não compartilhavam sua visão artística. Isso resultou em um produto final fragmentado e inacabado, que permaneceu engavetado por décadas após a morte de Welles.
O Legado e a Conclusão do Filme
A produção de The Other Side of the Wind foi interrompida em 1976, após a morte de Orson Welles, e o filme permaneceu incompleto por mais de 40 anos. Ao longo desse período, os direitos do filme mudaram de mãos várias vezes, e o projeto foi praticamente abandonado. No entanto, o material filmado por Welles foi preservado, e em 2017, um esforço conjunto de cineastas, produtores e colaboradores foi iniciado para concluir o filme com base no material existente.
Em 2018, após décadas de esforços e negociações, The Other Side of the Wind foi finalmente concluído e lançado para o público, tornando-se uma das grandes vitórias póstumas de Welles. Para muitos, o lançamento do filme foi uma espécie de exorcismo das frustrações de Welles com a indústria cinematográfica, permitindo que ele finalizasse, de certa forma, seu último e mais desafiador projeto. O filme foi recebido com grande entusiasmo, embora fosse difícil para muitos críticos e espectadores entenderem totalmente o filme devido à sua natureza fragmentada e experimental.
O documentário They’ll Love Me When I’m Dead faz uma reflexão profunda sobre a vida e a obra de Orson Welles, e sobre a natureza de sua última criação. Ao abordar a história de The Other Side of the Wind, o filme examina o impacto de Welles no cinema e sua relação com os cineastas e a indústria de Hollywood. Ao mesmo tempo, ele revela as dificuldades que o cineasta enfrentou para realizar seus projetos, tornando-se uma peça essencial para qualquer fã de cinema ou estudioso da carreira de Welles.
A Relevância do Documentário
They’ll Love Me When I’m Dead não se limita a ser um simples retrato da criação de um filme inacabado. Ele é também uma meditação sobre o processo artístico e as relações de poder dentro da indústria cinematográfica. O documentário detalha como Welles se viu preso em um ciclo de dificuldades financeiras e pessoais, sempre buscando novas formas de desafiar as convenções do cinema. Ele não era um cineasta que aceitava o status quo; ao contrário, ele sempre procurava empurrar os limites da arte.
O filme também oferece uma visão íntima do homem por trás da câmera. Ao longo do documentário, diversos membros da equipe de The Other Side of the Wind compartilham suas memórias de Welles, revelando não apenas sua genialidade, mas também seus aspectos mais humanos e, por vezes, problemáticos. Seu perfeccionismo, suas exigências constantes e seu comportamento imprevisível tornaram-no uma figura controversa, mas inegavelmente brilhante. A história de sua luta para concluir The Other Side of the Wind serve como um reflexo de sua carreira, marcada tanto pelo sucesso quanto pelo fracasso, mas sempre imersa em um desejo incessante de criar.
O Impacto de The Other Side of the Wind no Cinema Contemporâneo
Embora The Other Side of the Wind tenha sido concluído décadas após a morte de Welles, o filme oferece uma análise pertinente sobre o estado atual do cinema e a busca incessante pela inovação. Sua abordagem metacinematográfica, que questiona o próprio processo de filmagem e a relação entre cineasta e público, ressoa com as tendências contemporâneas de um cinema mais autoral e autocrítico.
O filme de Welles serve como um lembrete de que a arte do cinema é uma busca constante, cheia de frustrações, mas também de revelações e epifanias. Sua influência continua viva, tanto nas obras de cineastas contemporâneos que seguem seu exemplo de ousadia e inovação quanto nas discussões acadêmicas sobre a história do cinema. Em última análise, The Other Side of the Wind é mais do que um filme inacabado; é um testemunho do espírito criativo de Orson Welles e da eterna busca do cineasta pela perfeição.
Conclusão
O documentário They’ll Love Me When I’m Dead oferece aos espectadores uma visão detalhada do último projeto de Orson Welles e, ao mesmo tempo, um olhar sobre o próprio cineasta. Ele explora as alegrias e as dores de trabalhar em um filme que, apesar de sua incompletude, se tornou um símbolo da obstinação artística de Welles. Para os amantes do cinema e para aqueles que buscam entender mais profundamente o processo criativo de um dos maiores cineastas de todos os tempos, este documentário é um material imprescindível. Ele não apenas resgata um pedaço do legado de Welles, mas também nos faz refletir sobre as complexidades e as inevitáveis frustrações que acompanham a busca pela verdadeira arte.