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O Legado de The Irishman

A Profundidade de “The Irishman”: Uma Análise Detalhada do Legado do Crime Organizado e da Lealdade

The Irishman, dirigido por Martin Scorsese, é uma obra cinematográfica que leva o público a uma jornada introspectiva pelos recantos mais obscuros do crime organizado nos Estados Unidos. Lançado em 2019, o filme é uma adaptação do livro I Heard You Paint Houses de Charles Brandt e explora a história de Frank Sheeran, um homem comum que, ao longo de sua vida, se vê envolvido nos eventos e intrigas de uma das famílias mafiosas mais poderosas da história, a Bufalino Crime Family. A história se desenrola de forma não linear, entrelaçando o presente de Frank, já idoso, com o passado turbulento de sua carreira como assassino de aluguel, responsável por assassinatos de grandes figuras do cenário político e mafioso dos Estados Unidos.

Este artigo busca analisar os principais aspectos de The Irishman, incluindo sua narrativa, a construção de personagens, a performance de seu elenco, e a crítica social e política presente na trama. Além disso, vamos explorar o legado que o filme deixa no gênero de dramas sobre o crime organizado, a análise das figuras centrais da história e como a direção de Scorsese consegue criar uma obra profundamente reflexiva sobre lealdade, arrependimento e a mortalidade humana.

A Estrutura Narrativa: Complexidade e Reflexão

A narrativa de The Irishman não é linear, o que acrescenta uma camada de complexidade à trama. A história começa no final da vida de Frank Sheeran (interpretado por Robert De Niro), já um homem idoso e sozinho, refletindo sobre sua vida como assassino profissional. Esse envelhecimento não é apenas uma escolha estilística, mas uma forma de enfatizar a inevitabilidade da morte, um tema central na obra de Scorsese. As reflexões de Sheeran são intercaladas com flashbacks que remontam à sua ascensão no mundo do crime, seus encontros com figuras como Russell Bufalino (Joe Pesci) e o poderoso sindicalista Jimmy Hoffa (Al Pacino).

A escolha de contar a história dessa forma permite que o público experimente os eventos do ponto de vista de Frank, em uma espécie de confissão de alguém que, ao olhar para trás, se dá conta das decisões que tomaram, das lealdades que foram exigidas e dos pactos de silêncio que moldaram sua vida. Essa abordagem oferece uma narrativa densa e contemplativa, longe da ação rápida e das reviravoltas convencionais dos filmes de máfia. O uso de uma estrutura não linear também cria uma tensão palpável, pois sabemos que os eventos que estamos acompanhando, embora empolgantes, já estão imersos em um futuro inevitável – o de Sheeran sendo confrontado com seu passado.

O Enredo: Lealdade, Traição e Arrependimento

Em The Irishman, a lealdade é um tema recorrente que permeia cada aspecto da vida de Frank Sheeran. Desde sua relação com Russell Bufalino, que representa a autoridade e a proteção da família mafiosa, até seu vínculo com Jimmy Hoffa, um homem carismático, mas eventualmente impetuoso, o filme explora como os personagens se veem em um mundo onde as alianças são volúveis e as traições são uma constante. Sheeran, em seu papel de “homem de confiança”, é constantemente desafiado a equilibrar essas lealdades conflitantes, muitas vezes sendo forçado a fazer escolhas impossíveis.

A cena central do filme, que detalha o assassinato de Jimmy Hoffa – um evento de repercussão histórica – é tratada com uma frieza quase documental. Não há glamour ou glória nesse assassinato; é apenas mais um exemplo de como o crime organizado opera em sua lógica interna de traições, onde cada ato é uma consequência de um jogo de poder implacável.

Ao longo do filme, vemos Frank refletir sobre a natureza de suas ações e o impacto que elas tiveram em sua vida e em seu entorno. A relação com suas filhas, especialmente Peggy (interpretada por Anna Paquin), serve como um contraponto emocional, mostrando como Frank tenta justificar suas escolhas diante das pessoas que ama. Sua tentativa de reconciliar sua vida com as exigências do crime e da moralidade tradicional cria uma tensão emocional que alimenta o drama da obra.

Personagens Centrais e Performances de Elenco

O elenco de The Irishman é um dos mais fortes de toda a filmografia de Scorsese, com a presença de atores que se destacam não apenas por sua maestria na atuação, mas também pelo simbolismo de seus papéis em relação à história do cinema. Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci formam o trio central de personagens, e suas performances são nada menos que monumentais.

De Niro interpreta Frank Sheeran, o protagonista e narrador da história. A sua atuação é contida, quase minimalista, refletindo a natureza interna de seu personagem. Ao contrário de muitos papéis anteriores, onde De Niro exibia uma intensidade emocional explosiva, aqui ele opta por um controle mais sutil, que faz o público sentir a dor e o remorso de Frank sem a necessidade de expressões dramáticas. A interpretação de De Niro é um estudo de uma vida levada pelo peso de suas escolhas, e sua habilidade de comunicar o vazio existencial de Frank é uma das grandes forças do filme.

Al Pacino, como Jimmy Hoffa, traz uma energia vibrante e imprevisível à sua performance. Hoffa é o oposto de Frank, alguém que, embora também envolvido no crime, ainda mantém uma visão romântica de seu próprio poder e influência. Pacino consegue capturar perfeitamente essa dualidade de Hoffa – sua coragem em enfrentar as autoridades e seu desejo de controlar o sindicato, enquanto lentamente perde o controle de sua própria vida.

Joe Pesci, como Russell Bufalino, é uma presença enigmática e autoritária. Pesci, famoso por seus papéis explosivos em filmes como Goodfellas (1990), aqui assume um papel mais comedido, mas igualmente intimidante. Sua habilidade em transmitir a frieza de Russell, um homem que manipula os outros com uma calma imperturbável, é uma das grandes surpresas do filme, já que o ator é mais conhecido por personagens de maior voltagem emocional.

Além desses três, o elenco coadjuvante também oferece interpretações memoráveis. Anna Paquin, que interpreta Peggy, a filha de Frank, tem um papel menor, mas crucial. A forma como ela observa a vida de seu pai sem nunca realmente compreendê-la, e a distância que ela mantém dele, traz uma nuance emocional ao filme que torna o silêncio de Frank ainda mais doloroso.

Direção e Estilo de Martin Scorsese

Martin Scorsese é um mestre do gênero de crime organizado, e The Irishman representa a culminação de décadas de exploração desse universo, desde Goodfellas até Casino (1995). Scorsese consegue, mais uma vez, mergulhar no submundo do crime com uma riqueza de detalhes impressionante, criando uma atmosfera de tensão que permeia cada cena, mas, ao mesmo tempo, também é uma obra reflexiva sobre as implicações dessas vidas de crime.

A escolha de Scorsese em explorar a ideia do envelhecimento, tanto dos personagens quanto da própria indústria do crime, é central para o filme. A utilização de efeitos digitais para rejuvenecer os atores foi uma escolha ousada, que, embora tenha sido um tema de debate entre críticos, se alinha com a reflexão do filme sobre o tempo e a memória. No final das contas, o uso dessa tecnologia não é apenas uma questão estética, mas uma forma de Scorsese explorar o próprio tempo – como o envelhecimento afeta as relações e as escolhas que fazemos.

Além disso, a trilha sonora de The Irishman, composta por Robbie Robertson, também merece destaque. As músicas são sutis e, muitas vezes, servem para intensificar a carga emocional das cenas, sem jamais tomar o foco da narrativa. A música se torna uma extensão do que os personagens sentem e experimentam, e Scorsese, mais uma vez, demonstra sua maestria em harmonizar todos os elementos de um filme para criar uma experiência cinematográfica coesa.

Conclusão: O Legado de The Irishman

The Irishman é mais do que um simples filme de máfia; é uma reflexão sobre o tempo, o arrependimento e a mortalidade. É um olhar sombrio sobre os sacrifícios que fazemos e as vidas que destruímos em nome da lealdade e da ambição. Com atuações memoráveis de Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, e uma direção magistral de Martin Scorsese, o filme se estabelece como uma obra-prima cinematográfica. Ao contrário dos filmes de máfia convencionais, The Irishman não busca glorificar o crime, mas, ao invés disso, nos mostra as consequências de uma vida de escolhas difíceis e, muitas vezes, sem retorno.

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