A Análise do Filme The Burial of Kojo (2018): Entre o Real e o Mágico nas Paisagens de Gana
The Burial of Kojo é um filme dramático dirigido por Sam “Blitz” Bazawule, que estreou no cenário internacional em 2018, mas foi adicionado a plataformas de streaming como a Netflix em março de 2019. Com uma duração de 81 minutos, este longa-metragem é uma peça de rara beleza estética e emocional que mistura elementos da cultura ganesa com uma narrativa profundamente simbólica. O enredo, que une realismo mágico com questões sociais e familiares, transporta o espectador para um mundo onde o sobrenatural e a realidade se encontram de forma intrincada, oferecendo uma experiência única de cinema.
Enredo: O Chamado da Filha
A trama de The Burial of Kojo gira em torno da história de Kojo, um homem que é deixado para morrer dentro de uma mina de ouro ilegal. O filme segue a jornada de sua filha, Esi, que parte em uma missão aparentemente impossível para resgatar seu pai, atravessando uma paisagem mágica e muitas vezes perturbadora. O filme é narrado por Esi, e sua jornada, além de ser uma busca pelo pai, é também uma viagem de autodescoberta, onde ela enfrenta a dor, o perdão e os fantasmas do passado.
O enredo se desenrola de forma não linear, explorando as camadas emocionais e psicológicas dos personagens, e é narrado através de uma voz off que guia o espectador pela história e pela interpretação do mundo pela perspectiva de Esi. Ao longo de sua jornada, a garota enfrenta vários obstáculos, e o filme nos presenteia com uma sucessão de imagens poéticas, com uma forte representação simbólica, que combinam elementos do folclore africano e da mitologia local.
O Realismo Mágico e a Cultura de Gana
O diretor Sam “Blitz” Bazawule, nascido em Gana, mergulha nas raízes culturais de sua terra natal para criar um filme que não apenas emociona, mas também educa sobre os valores e tradições da sociedade ganesa. The Burial of Kojo mistura o realismo mágico, uma técnica narrativa que utiliza o sobrenatural de forma natural dentro de um contexto realista, com elementos do cotidiano ganês.
Bazawule, com sua estética visual marcante, cria um ambiente de sonho, em que a linha entre o real e o sobrenatural se torna difusa. O cenário da mina de ouro, a natureza exuberante de Gana e os personagens envoltos em símbolos ancestrais ajudam a estabelecer um tom de lamento e redenção, em um contraste entre os elementos terrenos e espirituais.
A presença de aspectos culturais de Gana é vital no filme. As tradições orais, o culto aos ancestrais e os temas do destino e da responsabilidade familiar são representados de maneira forte e significativa, refletindo a relação dos indivíduos com o meio ambiente e com seus passados. A mina ilegal, por exemplo, não é apenas um espaço físico, mas também uma metáfora para a exploração e a corrupção que permeiam as vidas dos personagens.
A Performance do Elenco
O elenco de The Burial of Kojo é composto por um grupo talentoso de atores, com destaque para a jovem Cynthia Dankwa, que interpreta a protagonista Esi. Sua atuação é cheia de nuances e é fundamental para transmitir a carga emocional e simbólica da trama. A personagem Esi é complexa e, através dela, vemos a mistura de inocência e amadurecimento, já que ela lida com um mundo de dor e violência, mas também com um espírito inabalável de amor e lealdade.
Ama K. Abebrese, Joseph Otsiman e Kobina Amissah Sam são outros membros do elenco que se destacam, trazendo suas personagens à vida com profundidade e autenticidade. A química entre os atores é palpável, e mesmo as interações mais simples entre os personagens adquirem um peso significativo, ajudando a dar forma ao subtexto emocional da história.
Henry Adofo e Mamley Djangmah, com papéis coadjuvantes, também adicionam camadas importantes ao filme, proporcionando ao público uma visão mais ampla da sociedade ganesa e suas complexidades, de relações familiares a questões de classe e poder.
A Estética Visual e a Direção de Arte
Um dos pontos altos de The Burial of Kojo é sua estética visual. A cinematografia de Bazawule é impressionante, utilizando luz e sombra de forma magistral para refletir o estado emocional dos personagens. As paisagens de Gana, com sua natureza vibrante, são exploradas de maneira quase poética, tornando-se parte integral da narrativa.
A direção de arte é igualmente notável, com uma atenção meticulosa aos detalhes que capturam tanto a beleza natural do país quanto a dura realidade de uma vida marcada pela pobreza e pela exploração. A mina de ouro, onde Kojo se encontra preso, é um lugar sombrio e opressor, representando as armadilhas da ganância e da exploração humana.
O filme também usa de simbolismo visual para aprofundar a narrativa. Elementos como as árvores, os rios e as figuras mitológicas ajudam a dar uma dimensão espiritual à história, comunicando o que palavras não podem expressar.
O Uso de Música e Som
A trilha sonora de The Burial of Kojo é uma parte fundamental da atmosfera do filme. A música, composta por elementos tradicionais ganeses, incorpora sons que evocam tanto o sentimento de desesperança quanto a esperança que permeia a jornada de Esi. As canções folclóricas e os sons da natureza se entrelaçam de maneira envolvente, e a música é usada para intensificar as emoções, sempre respeitando a simplicidade e a profundidade da trama.
Além disso, o design de som é eficaz ao criar uma sensação de imersão, especialmente durante os momentos mais tensos ou mágicos, quando o som parece se tornar um personagem à parte, guiando o espectador para o interior da experiência emocional de Esi.
A Recepção Crítica
Quando The Burial of Kojo foi lançado, recebeu elogios por sua originalidade e sua abordagem de temas universais, como a família, o perdão, o destino e a luta contra a opressão. O filme foi bem recebido tanto no âmbito internacional quanto em Gana, sendo reconhecido por sua capacidade de dar uma nova perspectiva sobre a história do país e de utilizar uma abordagem cinematográfica inovadora.
Embora o filme tenha sido descrito por alguns críticos como uma experiência cinematográfica desafiadora devido ao seu ritmo contemplativo e à natureza não linear da narrativa, sua força reside justamente na maneira como ele exige a atenção do espectador, convidando-o a refletir sobre os temas que aborda e a mergulhar em um mundo repleto de símbolos e significados ocultos.
Considerações Finais
The Burial of Kojo é uma obra cinematográfica que mistura com maestria o realismo mágico com questões sociais profundas, utilizando a rica cultura de Gana para contar uma história universal sobre a luta pela sobrevivência, o amor e a reconciliação. Sam “Blitz” Bazawule, através de sua direção sensível e inovadora, oferece uma experiência única, tanto visualmente quanto emocionalmente, que ressoa muito além da tela.
Com performances excepcionais, uma cinematografia deslumbrante e uma trama cheia de camadas, o filme se destaca como uma das produções mais importantes do cinema africano contemporâneo, ganhando destaque em festivais internacionais e oferecendo ao público uma visão autêntica da vida em Gana, enquanto explora questões humanas universais.

