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Jornada Criativa de Cuarón

Reflexões de Alfonso Cuarón: “ROAD TO ROMA” – Uma Jornada Cinematográfica Pela Memória e pela Arte

Em 2020, o cineasta mexicano Alfonso Cuarón, renomado por sua maestria em criar filmes profundamente pessoais e visualmente impactantes, lançou o documentário ROAD TO ROMA. Esse filme não é apenas um relato das etapas de produção de sua obra-prima ROMA, mas também uma reflexão meticulosa sobre o processo criativo que levou ao sucesso do filme vencedor do Oscar. Dirigido por Andrés Clariond, ROAD TO ROMA traz à tona as memórias de infância de Cuarón, os detalhes históricos que permeiam a trama e as escolhas criativas que moldaram uma das produções mais aclamadas da história recente do cinema. Este artigo visa explorar os aspectos mais profundos deste documentário e as lições que ele transmite sobre o processo de criação cinematográfica e a importância da memória na construção de um filme.

O Encontro com a Memória Pessoal

O documentário ROAD TO ROMA inicia com a ideia central de ROMA como uma viagem no tempo, uma recriação das memórias de Cuarón durante sua infância na Cidade do México nos anos 1970. Para o diretor, a memória é tanto uma forma de preservação quanto de interpretação da realidade, e ao abordar sua própria infância, ele nos convida a refletir sobre como as experiências pessoais podem ser traduzidas para a linguagem cinematográfica de maneira universal.

Cuarón tem uma habilidade única de extrair da memória aqueles momentos que podem parecer efêmeros, mas que, quando colocados sob uma nova ótica, adquirem um significado profundo. No documentário, ele compartilha suas memórias de sua empregada doméstica, Cleo, e como essa relação, que foi tão central para sua formação, se refletiu em ROMA. O diretor explora como essas memórias, embora inicialmente pessoais, têm um eco global, permitindo que o público se identifique com a narrativa, independentemente de sua origem cultural.

O Processo Criativo por Trás de ROMA

A construção de ROMA foi um ato de total imersão no passado de Cuarón, mas também de uma reinterpretação criativa desse passado. O documentário detalha como o diretor, ao retornar à Cidade do México, iniciou o processo de reconstrução de seu antigo bairro, usando um trabalho meticuloso de recriação de cenários e pesquisa histórica. No entanto, a reconstituição não foi apenas estética. Cuarón, com seu estilo único, priorizou o sentido emocional de cada cena, antes mesmo do aspecto visual. Isso é evidenciado no modo como ele escolheu focar em aspectos simples da vida cotidiana, como a relação entre Cleo e a família que a empregava, e como isso refletia a complexidade das relações de classe e a luta pessoal de Cleo.

Um ponto fascinante do documentário é a atenção aos detalhes históricos. Cuarón revela como sua intenção não era apenas recriar a aparência dos anos 70, mas capturar a essência de um México pós-revolucionário, em que as estruturas de classe estavam em plena transformação. O filme, portanto, não apenas revisita uma época da história mexicana, mas também reflete sobre como as dinâmicas sociais e políticas influenciam as vidas individuais e os laços familiares.

A Importância da Colaboração

Outro aspecto notável de ROAD TO ROMA é a forma como Cuarón reconhece o papel crucial da colaboração no processo de criação de ROMA. Embora a obra seja profundamente pessoal, o cineasta não deixa de enfatizar o papel dos outros membros da equipe – do roteirista ao diretor de fotografia – na construção do mundo que ele queria mostrar. Cuarón detalha como a equipe de fotografia, sob a direção de Emmanuel Lubezki, foi fundamental para capturar a beleza crua e intimista de ROMA. Cada cena foi cuidadosamente planejada para transmitir a complexidade emocional do momento, e a câmera, muitas vezes em plano sequência, cria uma sensação de fluidez temporal, transportando o espectador para o passado de Cuarón de forma visceral.

Além disso, a atriz Yalitza Aparicio, que interpreta Cleo, desempenha um papel central no documentário. A maneira como Cuarón trabalha com Aparicio, que era uma iniciante no cinema, é reveladora do compromisso do diretor em criar uma conexão autêntica com seus atores. A confiança que ele deposita em Aparicio e a forma como ela, sem experiência anterior, é capaz de entregar uma performance emocionalmente rica, reflete a busca do cineasta por verdade em cada aspecto da produção.

A Estrutura de ROAD TO ROMA

A estrutura de ROAD TO ROMA segue uma narrativa não-linear, alternando entre as entrevistas de Cuarón, cenas de bastidores de ROMA e imagens de sua infância. Essa abordagem não convencional é um reflexo do próprio tema do documentário: a memória e a reconstrução do passado. O espectador não assiste a um relato cronológico da criação de ROMA, mas sim a uma montagem que resgata diferentes momentos dessa trajetória, dando ao público uma visão holística do que é necessário para fazer um filme tão pessoal e, ao mesmo tempo, tão universal.

O documentário também faz uso inteligente de metáforas visuais. Ao explorar a importância das ruas de sua infância, Cuarón utiliza o ambiente urbano da Cidade do México como um símbolo das próprias jornadas pessoais e coletivas. As ruas, ao mesmo tempo labirínticas e familiares, representam tanto o caminho de Cuarón para sua própria identidade quanto a experiência de cada indivíduo em sua busca por compreensão e pertencimento.

O Impacto de ROAD TO ROMA no Cinema Contemporâneo

Por mais que ROAD TO ROMA seja um documentário sobre a criação de um único filme, ele oferece reflexões amplas sobre o processo de criação cinematográfica em geral. Cuarón nos lembra de que, no cerne de qualquer filme bem-sucedido, existe uma tentativa de capturar algo genuíno, seja uma memória, uma emoção ou uma verdade. ROAD TO ROMA se coloca como um estudo de caso sobre a importância da memória pessoal, da pesquisa histórica e da colaboração no mundo cinematográfico.

Além disso, o documentário reflete sobre como o cinema pode ser uma ferramenta de reflexão social e cultural. Ao revisitar sua infância e as relações de classe no México, Cuarón amplia a discussão para temas universais de identidade, memória e luta, aspectos que ressoam com o público global. Através de ROMA, e agora de ROAD TO ROMA, ele nos convida a refletir sobre o papel do cineasta como contador de histórias e o poder do cinema para tocar as fibras mais profundas da experiência humana.

Conclusão

ROAD TO ROMA é mais do que apenas um making-of de um filme; é uma profunda reflexão sobre a arte de fazer cinema e sobre o poder das memórias na construção de uma narrativa. Através deste documentário, Alfonso Cuarón não apenas revela os bastidores de ROMA, mas também nos leva a uma viagem pessoal e emocional, onde a linha entre o passado e o presente se dissolve. O documentário se configura como uma obra essencial para aqueles que desejam entender o processo criativo de um dos cineastas mais influentes da atualidade, além de ser uma peça fundamental para a compreensão da relevância cultural de ROMA no cenário cinematográfico global.

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