Whose Vote Counts, Explained: A Democracia Americana em Xeque
A democracia é, sem dúvida, um dos pilares que sustentam a estrutura política dos Estados Unidos. Uma das expressões mais significativas dessa democracia é o direito de votar, um direito que, ao longo da história americana, tem sido alvo de debates, desafios e, em muitos casos, de exclusões. A série documental Whose Vote Counts, Explained, lançada em 2020, coloca esse direito no centro da discussão, explorando as desigualdades do sistema eleitoral norte-americano e questionando a legitimidade do processo eleitoral como um reflexo verdadeiro da vontade popular.
Contextualizando a Série
Lançada pela Netflix em 28 de setembro de 2020, Whose Vote Counts, Explained faz parte da popular linha de documentários que explicam, de maneira clara e envolvente, temas complexos relacionados à política e sociedade. Com uma temporada de apenas um episódio de uma hora, a série é parte do projeto Explained, que traz uma análise profunda sobre questões culturais, sociais e políticas de relevância mundial.
O título da série já nos provoca a refletir sobre a fragilidade do direito ao voto: “Whose Vote Counts?” — cujos votos realmente contam? A série explora a desigualdade no sistema eleitoral dos Estados Unidos, questionando até que ponto o direito de votar é igual para todos os cidadãos e se o processo eleitoral é, de fato, representativo e democrático.
O Sistema Eleitoral Americano e Seus Desafios
A premissa central da série está diretamente relacionada ao próprio funcionamento do sistema eleitoral dos Estados Unidos, onde, apesar de ser uma nação que preza pelo voto popular, várias estruturas e práticas têm distorcido o impacto do voto de determinadas populações.
A série começa destacando a ideia de que o voto de cada cidadão deveria ter o mesmo peso, mas, na prática, isso não acontece. Em um país com 50 estados, cada um com suas próprias leis eleitorais, as diferenças nas formas de contagem, registro e acesso ao voto são gritantes. Entre as questões levantadas, estão as barreiras legais e institucionais que tornam o processo de votação mais difícil para certos grupos de pessoas, como minorias raciais, idosos e pessoas com deficiências.
Além disso, as práticas como o gerrymandering (a manipulação dos limites de distritos eleitorais para favorecer um partido político) e o sistema do Colégio Eleitoral, que distorce a representação proporcional dos votos populares, são pontos fundamentais abordados no documentário. Essas práticas deixam claro que, em muitas situações, a votação popular não reflete a verdadeira vontade do povo, uma vez que os votos em certos estados podem ter mais influência do que os votos de outros.
A Disparidade de Acesso ao Voto
Um dos principais focos da série é como a desigualdade social e econômica influencia diretamente o acesso ao voto. Em várias partes dos Estados Unidos, as minorias raciais, como os negros e os latinos, enfrentam obstáculos significativos para exercer seu direito ao voto. No sul do país, em particular, as leis de votação foram historicamente projetadas para limitar a participação de certos grupos, uma prática que, apesar de proibição da segregação racial nos anos 1960, ainda persiste de forma velada.
Os registros de eleitores, os requisitos de identificação e até mesmo o horário das eleições podem tornar mais difícil para grupos marginalizados votar. Além disso, a série explora como as políticas de supressão de voto, como a remoção de eleitores de listas de votação ou a exigência de identificação rigorosa, afetam desproporcionalmente as comunidades de baixa renda.
A série também aborda o impacto de ações como a purgação de eleitores – o processo de remover eleitores das listas eleitorais por causa de uma série de motivos, como falecimento ou mudança de residência. Embora essas práticas sejam apresentadas como parte do esforço de garantir a integridade do processo eleitoral, elas têm um efeito colateral significativo: desqualificam eleitores, frequentemente de comunidades negras ou latinas.
O Colégio Eleitoral: Voto Popular ou Voto Institucional?
Outro ponto de discussão crucial na série é o sistema do Colégio Eleitoral, uma característica única do sistema eleitoral americano que foi projetada para balancear o poder entre os estados. No entanto, a forma como esse sistema funciona, na prática, pode resultar em uma distorção considerável da vontade popular.
A eleição presidencial nos Estados Unidos não é decidida por um simples voto popular. Em vez disso, o sistema do Colégio Eleitoral define que cada estado tem um número específico de votos eleitorais, com base na sua população. Esses votos são atribuídos ao candidato que vence o estado, independentemente de sua margem de vitória. Isso significa que um candidato pode perder o voto popular nacional e ainda assim vencer a presidência se conquistar a maioria dos votos no Colégio Eleitoral.
A série traz à tona o caso das eleições de 2000 e 2016, onde o candidato que obteve menos votos populares (Al Gore e Donald Trump, respectivamente) acabou vencendo devido ao sistema do Colégio Eleitoral. Esses episódios evidenciam as falhas do sistema, gerando um debate sobre a necessidade de reforma ou até mesmo a eliminação desse sistema em favor de um voto puramente popular.
Gerrymandering: Manipulação Eleitoral e Seus Efeitos
Uma das discussões mais instigantes da série gira em torno do gerrymandering, prática de manipulação das fronteiras dos distritos eleitorais para beneficiar um partido político em detrimento de outro. Essa prática, que remonta ao início do século XIX, tem sido uma das principais fontes de desigualdade eleitoral nos Estados Unidos.
O gerrymandering pode distorcer o sistema de representação política, uma vez que ele permite que os legisladores escolham seus eleitores, e não o contrário. Ao redesenhar os mapas eleitorais de maneira estratégica, os partidos políticos podem garantir que suas chances de vitória em futuras eleições sejam mais altas, independentemente da vontade real do eleitorado. O resultado é uma representação política desigual, que diminui a influência dos eleitores em muitos estados.
Propostas de Reforma e Mudanças Necessárias
A série também apresenta algumas propostas para a reforma do sistema eleitoral dos Estados Unidos, buscando tornar o processo mais justo e representativo. Uma das mudanças sugeridas é a implementação de um sistema de voto popular direto para a eleição presidencial, eliminando o Colégio Eleitoral.
Outras sugestões incluem a implementação de medidas para combater o gerrymandering, como a criação de comissões independentes para desenhar os distritos eleitorais, além da ampliação do acesso ao voto, com políticas de votação antecipada, registros automáticos e o fim das restrições que afetam as minorias.
Além disso, a série defende a ideia de que a reforma eleitoral deve ir além da questão do voto popular, incluindo a ampliação do acesso à educação política, de forma a garantir que todos os cidadãos possam fazer escolhas informadas e participar plenamente do processo democrático.
Conclusão: A Luta Pela Igualdade no Voto
Whose Vote Counts, Explained é um alerta sobre as falhas do sistema eleitoral dos Estados Unidos e a importância de se garantir um voto igualitário para todos os cidadãos. A série não só esclarece as desigualdades do processo eleitoral, mas também desafia a ideia de que a democracia americana é uma verdadeira representação da vontade do povo, mostrando que, na prática, muitos votos não têm o mesmo peso.
Em última instância, a série busca despertar uma reflexão crítica sobre o sistema eleitoral e suas falhas, enquanto provoca o público a questionar como a democracia pode ser mais inclusiva, acessível e representativa. Em tempos de polarização política e crescente desconfiança nas instituições, essa é uma questão que se torna cada vez mais relevante, não apenas para os cidadãos dos Estados Unidos, mas para todos os que se preocupam com os princípios fundamentais da democracia.

