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A Tragédia do Kursk

Análise de “The Command” (2018): O Submarino Russo e a Burocracia que Mata

A obra cinematográfica The Command, dirigida por Thomas Vinterberg, se destaca por sua abordagem tensa e única sobre a tragédia de um submarino russo que afunda no mar, enquanto sua tripulação luta pela sobrevivência. Embora o filme se baseie em um evento real, ele transcende a narrativa convencional de desastres para examinar um dos maiores inimigos do ser humano: a burocracia. Lançado em 2018 e adicionado ao catálogo da Netflix em 2019, The Command (também conhecido como Kursk) é uma história de resistência, desesperança e a luta contra uma administração fria e impessoal, que pouco ou nada faz pela salvação de vidas em situações extremas.

Contexto Histórico: O Caso do Submarino “Kursk”

O filme é inspirado no desastre do submarino russo Kursk, que afundou no Mar de Barents em agosto de 2000. A catástrofe, uma das mais devastadoras da história da marinha russa, resultou na morte de todos os 118 tripulantes a bordo. Após uma série de explosões a bordo do submarino, a tripulação se viu presa a centenas de metros de profundidade, com poucas chances de sobrevivência. A resposta da Rússia ao desastre foi criticada por sua falta de eficiência e pela demora em organizar uma operação de resgate, o que gerou frustração internacional. Esse contexto de abandono, somado à indiferença da burocracia estatal, é o pano de fundo da narrativa de The Command.

Enredo e Temáticas: A Burocracia como Vilã

O filme começa com a rotina de treinamento da tripulação do Kursk antes de sua trágica missão. As relações entre os membros da equipe são exploradas de forma intimista, dando ao público um vislumbre da camaradagem e do espírito coletivo, que são postos à prova quando o desastre ocorre. A partir deste ponto, o foco se desloca para o drama no fundo do mar, com os sobreviventes tentando encontrar formas de se salvar.

O grande antagonista da história, no entanto, não é o oceano profundo ou os elementos naturais, mas sim a burocracia do governo russo e sua resposta lenta e ineficaz. A narrativa faz questão de destacar a dificuldade de comunicação entre as autoridades militares e os líderes governamentais, que hesitam em pedir ajuda externa, enquanto os marinheiros lutam por suas vidas. A frieza da burocracia é amplificada pelas cenas que mostram as discussões ineficazes nas salas de comando, onde decisões vitais são adiadas e vidas humanas são tratadas com indiferença.

Além da burocracia, o filme também examina temas como o heroísmo, a lealdade e a resistência humana diante do desespero. A tensão psicológica se desenrola não apenas pelas dificuldades do ambiente submarino, mas também pela crítica social implícita à negligência do governo, que não apenas falhou em evitar a tragédia, mas também em fornecer os recursos necessários para uma operação de resgate eficiente.

A Interpretação do Elenco: Personagens e Profundidade Emocional

The Command conta com um elenco impressionante, que ajuda a dar vida a essa narrativa angustiante. Matthias Schoenaerts, conhecido por sua habilidade em papéis dramáticos, interpreta o capitão do Kursk, que precisa lidar com a pressão de manter sua tripulação unida e com a inevitabilidade da morte. Sua atuação transmite a tensão crescente e a luta interna de um homem que tenta, desesperadamente, encontrar uma saída, enquanto a morte se aproxima.

Léa Seydoux, no papel de esposa de um dos marinheiros, traz à tona a dor da espera e a angústia de uma mulher que se vê impotente diante de um sistema que a desilude. A interpretação de Seydoux é profunda e cheia de emoção, mostrando a angústia de quem, de fora, tenta entender o que está acontecendo enquanto lida com a crescente ineficácia das autoridades.

Outro ponto de destaque é Colin Firth, que interpreta um oficial britânico tentando ajudar no resgate. Sua personagem representa a solidariedade internacional que contrastaria com a frieza da burocracia russa. Firth entrega uma performance que não apenas se encaixa no contexto, mas que também oferece uma reflexão sobre as dinâmicas de poder entre nações em situações de crise.

Max von Sydow, um veterano do cinema, também participa do elenco, representando um dos altos oficiais militares. Sua presença confere ao filme um senso de gravitas, algo que os personagens de maior autoridade no filme parecem carecer. Sua atuação, com poucas falas, mas cheia de tensão, transmite o peso das decisões que precisam ser tomadas.

Estilo de Direção: Thomas Vinterberg e a Visão da Tragédia

Thomas Vinterberg, diretor dinamarquês renomado por sua obra A Caça (2012), aplica sua habilidade em criar atmosferas densas e de grande tensão para The Command. Ele utiliza o confinamento do submarino como uma metáfora poderosa para a repressão e a opressão vividas pela tripulação. A câmera, muitas vezes posicionada em ângulos claustrofóbicos, traz à tona o sofrimento emocional e físico dos personagens.

A escolha de Vinterberg de contrastar a ação no fundo do mar com cenas de negociação nas altas esferas de poder em terra é uma jogada inteligente para enfatizar o abismo entre a realidade dos marinheiros e a indiferença das autoridades. Ao mesmo tempo, ele constrói momentos de desespero e humanidade genuína, sem recorrer ao sensacionalismo. A tensão se acumula gradualmente, sem recorrer a grandes momentos de ação, mas sim pela ansiedade e pelo sufoco dos personagens diante de um sistema que falha em salvá-los.

A Produção: Aspectos Técnicos e Visuais

Do ponto de vista técnico, The Command é um filme visualmente impressionante. A recriação do submarino Kursk e a ambientação subaquática são de altíssimo nível, com os efeitos especiais colaborando para a construção de um ambiente realista e angustiante. O filme também faz um uso interessante de iluminação e som para aumentar a sensação de claustrofobia. As cenas dentro do submarino são opressivas, com luzes piscando e sons metálicos que evocam o ambiente de desespero vivido pelos marinheiros.

A edição do filme também merece destaque, com cortes rápidos e transições suaves entre as cenas de ação e os momentos dramáticos, equilibrando bem o ritmo da história. Embora o filme seja, em grande parte, uma história de ação lenta e introspectiva, a maneira como as sequências são montadas mantém o espectador envolvido emocionalmente.

Conclusão: A Tragédia de “The Command” e a Reflexão Sobre a Burocracia

The Command é mais do que uma simples recriação de um desastre real. O filme faz uma análise profunda de como a burocracia e a ineficácia governamental podem ser, muitas vezes, mais mortais do que os próprios inimigos. Ao colocar o ser humano contra um sistema impessoal, o filme questiona a relação entre os cidadãos e seus governantes em situações extremas, fazendo uma crítica contundente ao modo como as vidas humanas são tratadas por estruturas de poder. A atuação do elenco, a direção de Vinterberg e a cinematografia impecável tornam The Command uma obra envolvente, que não só retrata a tragédia do Kursk, mas também coloca em evidência um problema universal: a luta contra um sistema que negligencia a vida humana.

O filme é um convite à reflexão sobre o custo da indiferença e do atraso em momentos de crise, um lembrete de que, muitas vezes, a maior ameaça não está em um inimigo visível, mas na falha do sistema que deveria proteger os indivíduos. Em última análise, The Command é um filme sobre heroísmo, perda, e a luta constante contra a natureza e a burocracia.

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